Um olhar sobre <br>a crise financeira do país

Jorge Messias
O PIB português entrou em queda livre. Aumenta o desemprego, a inflação e o peso esmagador da economia paralela. O governo recusa direitos aos trabalhadores, congela carreiras, baixa subsídios sociais, manipula a estatística, apadrinha gestores, promete o que não pode e recusa-se a fazer o que está ao seu alcance. A banca e a alta finança acumulam lucros faraónicos. O poder político ajoelha-se servilmente aos pés do poder económico. Os grupos capitalistas são financiados pelo Estado e depois deslocalizam-separa as bandas onde o lucro mais promete. O país arde de lés-a-lés, nada se fez e nada se fará. Os escândalos estralejam por aí, em girândola, envolvendo a classe política e o grande capital .

A hierarquia católica olha gulosamente para estes cenários de caos e cala-se. Não, porque esteja à margem das grandes manobras. Mas por conhecer o inestimável valor do anonimato, a alma do negócio. Embora notas pastorais revelem que os bispos se atarefam na conclusão das grandes operações financeiras da igreja. Como revela a sã teologia, do caos surgiu a vida e lucro não é pecado. Mas os bispos também sabem que não é bom para a igreja emudecer assim. A igreja está no mundo e uma das regras do mundo é a comunicação. Mesmo que falseada. De quando em quando, os bispos quebram o silêncio.
Em 30 de Junho de 2005 encerrou-se mais um Plenário da Conferência Episcopal. Então, o clero publicou o relatório final do encontro que intitulou (com grande imodéstia) «Um olhar de responsabilidade e de esperança sobre a crise financeira do país». Embora insistindo em declarar que o seu próprio olhar sobre a sociedade portuguesa é de responsabilidade e de esperança o episcopado não soube traduzir as intenções em palavras. Numa sociedade à beira do abismo, não situou as causas do desemprego, não falou nas empresas que encerram, na angústia das famílias, na destruição da malha produtiva ou no descalabro moral das instituições. Muito menos, ensaiou uma autocrítica às culpas da própria igreja. Limitou-se a reafirmar as perspectivas que mais convêm ao patronato neoliberal. «Problemas como o desemprego criam situações angustiantes... quando se agravam os problemas (das famílias) agravam-se inevitavelmente os problemas de toda a comunidade...» Logo a seguir, os bispos ungiram o capitalismo: «Queremos deixar uma palavra de esperança. Análises catastróficas sobre o País e sobre a União Europeia em nada ajudam a serenidade e a generosidade, essenciais para construir o futuro. Não tenhamos medo dos momentos difíceis... eles constituem - tantas vezes - alicerces de um futuro melhor». Trata-se, como é evidente, de uma bênção lançada sobre um sistema corrupto e em grave crise. Pareceu-nos voltar a ouvir, ao longe, a voz untuosa do cardeal Cerejeira.

O mundo dos negócios

A jigajoga com as trocas de terrenos destinados à construção de novas catedrais ou o comércio da venda de relíquias dos santos estão longe de ocupar o centro das atenções dos bispos portugueses. Há outras batalhas que importa vencer, como é o caso da valorização de Fátima ou as expropriações que as adjudicações ligadas aos projectos do TGV e do Aeroporto da Ota irão motivar. Para não se falar, claro está, no reconhecimento oficial da hegemonia católica nas áreas vitais do ensino, do pré-escolar, da saúde e, em geral, da sociedade civil .
Fátima é um exemplo. A era dos peregrinos de pé descalço passou definitivamente. Rareiam os velhos ranchos de romeiros. Só num ano, em 2004, o número de caminhantes diminuiu em cerca de meio milhão. Não se pense, porém, que a atracção de Fátima está esgotada. Só uma das componentes sociológicas completou o seu ciclo. Agora, Fátima acelera a reestruturação para a modernidade.
A estatística demonstra que a afluência ao Santuário cresce no sentido do aumento de pessoas com maior poder de compra ( estrangeiros e emigrantes ), com exigências crescentes em comodidade e economia de tempo. Por outro lado, a natureza específica da Nova Evangelização que a igreja procura lançar, impõe a implantação de novas estruturas turísticas na região de Fátima e do acesso a meios rápidos de comunicação e transportes. A nível do Vaticano, as organizações católicas são actualmente capazes de transportar massas humanas a milhares de quilómetros de distância, fazê-las figurar em actos religiosos e políticos e reconduzi-las a casa ao fim de 24 horas, sem deixarem rasto da sua deslocação.
O Santuário precisa de se modernizar. O que não é indiferente aos projectos europeus do TGV e da Ota. A igreja previu tudo isto quando, há anos, comprou terrenos em toda a extensa área que separa Fátima, a Ota e o litoral Oeste. Jogou e quase já ganhou.


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